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quarta-feira, 4 de agosto de 2010

De comunista a defensor dos latifúndios. Eu ainda quero saber o que é IDEOLOGIA!

Segue "O CÓDIGO DE ALDO- PARTES I E II"

Três peças formam o relatório que Aldo Rebelo apresentou à comissão relacionada ao Projeto de Lei nº 1876 e outros apensados. O primeiro é o seu parecer. O segundo é a íntegra dos depoimentos tomados. O terceiro, seu voto. É neste último que ele apresenta suas propostas desastrosas de reforma do Código Florestal, na verdade, um outro código que beneficia os ruralistas em detrimento dos ecossistemas vegetais nativos do Brasil e da agenda mundial de proteção ao ambiente planetário. As propostas colocam os ruralistas no centro de suas atividades, como se o mundo não existisse. Como ele foi muito comentado, vou centrar minha análise no parecer, uma verdadeira peça arqueológica que o deputado comunista retirou dos anos de 1940, no mínimo.

Vi imagens de Aldo Rebelo, pela primeira vez, quando ele tinha 44 anos de idade. Sua figura parecia ter saído do passado, com um bigodinho e os cabelos penteados com ondulações. O conservadorismo poderia estar apenas na aparência, mas agora se constata que está também nas idéias.

Ele começa dedicando o parecer aos agricultores brasileiros, mas não explicita se grandes ou pequenos. A epígrafe foi retirada de “O Sobrinho de Rameau”, livro de Diderot, e fala de leis estranhas, que atrapalham a sociedade, com isto querendo se referir ao Código Florestal. José Bonifácio de Andrada e Silva é mencionado diversas vezes pelo autor de forma elogiosa: “Bonifácio pode ser considerado nosso primeiro ecologista. Ele não imaginou a estrutura fundiária dos nossos dias, marcada pela reforma agrária natural pela sucessão de gerações.” Segundo ele, o Patriarca foi o idealizador do conceito de Reserva Legal, propondo conservar 1/6 de florestas em cada propriedade rural para o uso de madeira para construção civil, energia e construção naval.” O que ele oculta é a declaração pessimista e desesperada de Bonifácio, escrita na “Representação à Assembléia Geral Constituinte do Império do Brasil sobre a Escravatura”, em 1823, segundo a qual "Nossas terras estão ermas, e as poucas que temos roteado são mal cultivadas, porque o são por braços indolentes e forçados; nossas numerosas minas, por falta de trabalhadores ativos e instruídos, estão desconhecidas ou mal aproveitadas; nossas preciosas matas vão desaparecendo, vítimas do fogo e do machado da ignorância e do egoísmo; nossos montes e encostas vão-se escalvando diariamente, e com o andar do tempo faltarão as chuvas fecundantes, que favorecem a vegetação e alimentam nossas fontes e rios, sem o que o nosso belo Brasil, em menos de dois séculos, ficará reduzido aos páramos e desertos da Líbia. Virá então esse dia, terrível e fatal, em que a ultrajada natureza se ache vingada de tantos erros e crimes cometidos".

Numa frase de efeito, Rebelo diz que a legislação ambiental, combinados os dispositivos legais do Brasil, põe mais de 90% de 5,2 milhões de propriedades rurais do Brasil na ilegalidade, podendo transformar em crime ambiental o próprio ato de viver. É de efeito mesmo, pois a extensão das Áreas de Preservação Permanente e das Reservas Legais não poderia ocupar 90% das terras da área rural do Brasil. Indo mais longe ainda, outra frase é apelação barata “... a autoridade ambiental ou policial pode interpretar como crime ambiental a simples extração de uma minhoca na margem de um riacho.”

Procurando demonstrar erudição, o deputado continua sua argumentação lacrimosa referindo-se ao soldado que prendeu o maturo Fabiano, personagem de Vidas Secas, de Graciliano Ramos, para lhe tomar os trocados da feira e exercitar o poder em nome do Estado. Hoje, prossegue o deputado, o soldado poderia prender o matuto por ter comido um papagaio para saciar a fome.

Compara a agricultura da China e da Índia com a brasileira na tentativa de demonstrar que, lá, existem facilidades para os camponeses, enquanto que aqui prevalecem as restrições: “A imensa maioria de pequenos e médios proprietários pratica ainda uma agricultura pré-capitalista ou semi-capitalista, quase de subsistência, de baixo uso de capital e tecnologia (...) Esses agricultores são detentores de quatro milhões de unidades dos 5,2 milhões de propriedades.” Em todo o texto, a argumentação de Aldo Rebelo é capciosa, desprovida de caráter científico e ultrapassada. A comparação do deputado entre a agricultura asiática e a brasileira não se sustenta porque o Brasil nunca teve uma tradição camponesa como no Oriente. Aqui, o sistema de sesmarias acabou resultando nos latifúndios. Aqui, as comunidades tradicionais só conservaram a casca da tradição. Hoje, elas foram capturadas por uma economia de mercado e trabalham para ela.

Mas Aldo Rebelo irrompe de um passado remoto, ignorando a essência do debate atual. Seu mundo é ainda o dos Estados Nacionais com soberania máxima.

No parecer de Aldo Rebelo, primeira parte de três do seu relatório sobre a reforma do Código Florestal, não faltam exaltações ao grande ruralista. Na mais notória, ele diz que “... o grande proprietário é hoje muito mais um produtor capitalista, cuja importância reside em tornar a nossa agricultura competitiva no cenário internacional, no barateamento do custo dos alimentos e na formação do excedente necessário para o equilíbrio das nossas contas externas e estabilidade de preços internos (...) essa agricultura de mercado já conta hoje com uma grande parcela de pequenos e médios empreendimentos agropecuários organizados em um sistema eficiente de cooperativismo, mas carente de reserva de capital para investimentos em equipamentos e tecnologia e ganhos de produtividade. A maior ameaça ao grande produtor é a elevação de custos de produção imposta pela legislação ambiental e florestal na realização de obras, contratação de escritórios de advocacia e renúncia de áreas destinadas à produção (...) a legislação ambiental funciona como uma verdadeira sobrecarga tributária, elevando o custo final do produto, já oprimido pelo peso da infraestrutura precária e das barreiras não tarifárias cobradas pelos importadores.”

Marshall Berman, também marxista como Aldo, em seu livro “Tudo que é sólido desmancha no ar”, demonstra como Marx e Engels podem ser considerados os maiores apologistas do capitalismo, no “Manifesto Comunista”. Isto porque, para ambos, sem a fase do capitalismo, não seria possível alcançar o comunismo. Seria esta a intenção do deputado do PCdoB de São Paulo ao enaltecer o grande proprietário rural? Parece que não. Parece que seu marxismo está muito misturado com o nacionalismo. Ele não vê o grande ruralista como um capitalista rude que só pensa em ganhar dinheiro rapinando a natureza e o trabalhador rural. Ele entende este ator da sociedade brasileira como um nacionalista que fortalece a nação brasileira e beneficia sua sociedade tornando nossa agric ultura competitiva no mercado internacional, produzindo alimentos baratos para a população brasileira e excedentes que promovam a estabilidade dos preços e para o equilíbrio das contas externas do Brasil. O deputado desconhece empresas transnacionais plantando e criando gado na área rural do país para exportar e ganhar dinheiro. Não concebe que a destruição do Cerrado e da Amazônia é, em grande parte, provocada por interesses internacionais que se valem do favorecimento das leis, do desrespeito a elas, da conivência ou da incapacidade de fiscalização do Estado e da mão de obra barata. Não se dá conta de que sua visão dos ruralistas é muito idealizada e que eles, mesmo sendo brasileiros, estão associados aos interesses das transnacionais. Na sua verdadeira ou falsa ingenuidade, crê que esta laboriosa classe de produtores rurais está mais preocupada em produzir comida para a população do que em ganhar dinheiro plantando soja, cana, algodão e outros pro dutos “comestíveis” semelhantes.

Mas o deputado continua afirmando que defende a maioria dos produtores rurais, formada por pequenos e médios proprietários. Assim, ele tenta inverter a máxima de Marx, segundo a qual a ideologia dominante é a ideologia da classe dominante. Ele tenta nos convencer de que a ideologia dominante é a ideologia da classe dominada.

Sempre ostentando erudição, Aldo Rebelo cita agora o padre Antônio Vieira, em seu “Sermão de Santo Antônio aos Peixes”, datado de 1654, para encher de encômios a propriedade privada, talvez acreditando de novo na lógica etapista do marxismo. Não contente, ele vai mais longe na sua exaltação ao declarar que a agricultura e a pecuária sustentam com preços depreciados os bons e os maus planos econômicos recentes da “Pátria”.

Na parte relativa à Amazônia, Aldo Rebelo a encima como a famosa passagem do Gênesis I: 28-29: “E disse Deus ainda: Eis que vos tenho dado todas as ervas que dão semente e se acham na superfície de toda a terra e todas as árvores em que há fruto que dê semente; isto vos será para mantimento.” O historiador inglês Arnold Toynbee considera esta passagem a origem de toda a ideologia ocidental de dominação da natureza. A teologia cristã moderna tenta uma interpretação atualizada, segunda a qual ela significa que Deus colocou o homem como mordomo do paraíso. Aldo Rebelo volta à interpretação antiga, pois ele acredita que o Homem é a criatura suprema do universo. Em sua defesa, cita Epicuro, Galileu, Descartes, Bacon, Kant, Hegel, Marx, Engels e Darwin, todos pensadores que buscaram libertar o “Homem” do medo, da superstição e dos constrangimentos da natureza. Na passagem bíblica, Deus coloca o “Homem” como sua criatura eleita. Judaístas, cristãos e muçulmanos acreditam em Deus. Sendo ateu, com base em que Aldo Rebelo acredita na superioridade do “Homem”? Foram os próprios humanistas que colocaram o “Homem” nesta posição, com exceção de Darwin, que não acreditava nesta baboseira. Ao usar novamente a Bíblia de forma arrogante, Aldo está colocando vinho velho em odre novo. Inserido numa linha mofada da Modernidade, Aldo Rebelo mostra-se completamente alheio às novas questões que as relações entre humanidade e ambiente nos colocam. Arthur Soffiati - Ecologia e História - extraído do site www.portaldomeioambiente.org.br.

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